Silêncio
Silêncio: Lugar pacifico, luz clara e nítida, mundo branco, paz fria e quente, música triste, mas alegre, oportunidade certa, verdade, espírito e vida, vazio, escuro estranho e calmante, um raio de sol, pensamentos e palavras, amizade e entrega, espera e segurança, percurso e percalço, cruz e sentido, flor e ramo, madeira leve e abstrata, esperança forte e poderosa que nos prende e fascina.
Assim que experimentamos o silêncio conhecemos a sua beleza, a essência do que somos. O profundo e claro entendimento que nos proporciona o vazio do silêncio é a nossa fuga da realidade e ao mesmo tempo a nossa aproximação do real e do presente. Dá-nos a conhecer factos escondidos em que tendemos a não reparar, mostra-nos o caminho da espera e da confiança, apresenta-nos a forma de alegria mais pura de todas.
Silêncio, lugar onde o estranho se entranha, onde o imaginário ganha força e o real se transforma em confiança, certeza e fé. Silêncio, vazio e saudade, cura e fonte, tudo e nada misturados e erguidos em conjunto.
(AMC, 11/04/2020)
Cascata
Era uma vez uma cascata. E depois a água caiu e a vela foi acesa e a luz iluminava a sala. E o Corpo foi entregue numa pequena âmbula de prata. Tiraram-se fotografias, ouviram-se risos, partilharam-se abraços e passaram meses.
Falava-se com a cabeça, recorria-se a memórias passadas e a pensamentos antigos para responder a praticamente tudo. Por vezes, vinda do nada, a cascata emergia lançando libelinhas por todo o lado... Depois era esquecida novamente. Era um ciclo. Ainda se ouviam conversas e risos e ainda se partilhavam abraços. Bom, se calhar não tantos, mas ainda se trocavam palavras, isso sem dúvida. Só que eram palavras frias, vinham de reflexões pré-feitas, eram meras citações.
Não se percebia. Como é que a cascata podia correr só de vez em quando? Como é que tantas e tantas libelinhas desapareciam por completo com o esquecimento? E viam-se sorrisos de quase entusiasmo. Pedidos de lembrança, de força. Chocolates quase abertos, chaves que pareciam não abrir porta nenhuma.
De repente, um bocejo... Um pequeno piscar de olhos, uma rápida escapadela de olhar. Um espreguiçar preguiçoso, de quem possui a capacidade de adormecer num espaço de segundos. Ainda nem se apercebeu que dormira, o momento em que adormeceu é um mistério e tem as ideias confusas. O alarme toca de novo. Desta vez, dois olhos abertos. Uma mão pronta a acender a luz, um levantar calmo, uma espreitadela do sol. Agora já quase não há probabilidade de voltar a adormecer, pelo menos não enquanto durar o dia. Retoma-se tudo de onde se deixou. Pés no chão, cabeça erguida, tudo pronto.
(AMC, 24/01/2021)
Consolo

Sem palavras, sem fórmulas, no silêncio. Consolo. Puro, cru, verdadeiro. Às vezes é mesmo só esse o grito. Parece pouco? É muito. Agarrar no frágil deste modo, nos braços. Como se os braços tomassem a condição de escudo. Como se os braços fossem mesmo só braços e não pernas e, portanto, não soubessem fugir, nem correr para longe. Consolo. Como se fosse eterno, ou o fosse a sua intenção. Quando se é consolado os braços tornam-se uma espécie de casa, onde caímos com um estrondo caladinho, silencioso. É mais fácil cair onde já caímos, por mais estranho que pareça, por isso caímos dentro de casa. Entrando vês tudo. As cortinas escondem de quem vê de fora, não de quem já está dentro. Não há cortinas que impeçam de ver quando já estamos dentro de casa. Se lá caímos e nos erguemos então sabemos que é seguro. São braços de consolo. Foi casa. É casa.
(AMC, 21/03/2023)